sábado, 9 de outubro de 2010

O RETORNO


 Por Geraldo Lima

            Porta entreaberta: fenda por onde ele se esgueira até o centro da sala. Tudo o que ela permitiu foi isso, e talvez seja muito.
            Buscar no sem-assunto algum princípio de conversa, quase um martírio. Se justificar. Pedir desculpas. Como vão as coisas? Ela parece bem disposta a manter-se trancada por dentro, sonegando informações, evitando intimidades: sem olho no olho, sem  lhe oferecer um assento.
            Que   palavra romperia essa geleira?
            Aí estão as crianças, porém é como se não: sem euforia, sem afagos. Olham-no indiferentes. Crescidas... Seriam ainda seus filhos? Aguarda ansioso pela palavra mágica. Em vão.
        Ela parece vingada: fita-o firmemente agora, saboreando esse início de fracasso.
            Sobre ambos, com a mesma tenacidade, agira o tempo. Nela,  todavia, alastrara-se ainda o câncer do ódio. Aquele homem abandonara-os sem justificativa alguma! Se sofrera durante aquele tempo, fizera por merecê-lo. Ela, porém, não merecia sofrimento algum. Mas que fizera nos últimos tempos senão sofrer? Impossível crer de novo. Desde aquele  dia, até o último da sua existência, o deserto, a alma despovoada, o coração inacessível.
            Ele querendo, no entanto, recompor a paisagem de outrora, reencontrar os mesmos gestos, um fiapo de ternura. Recomeçar tudo de novo? Ele diz que sim, eis seu maior desejo. Ela, irônica: Sabe quando? Ainda assim, quer que ela confirme. Nunca mais!      
            A porta aberta, ampla, para que ele saia. Antes que fraqueje, enxota-o feito um cão.

Um comentário:

  1. Gosto muito desse mini-conto.

    Com poucas palavras você consegue através de conto, crônica, não importa o rótulo, despertar no leitor inquietação, imaginação solta a encontrar interrogações, o que é o mais importante num texto.
    Despertar perguntas e não respostas.
    Parabéns, Geraldo!
    abraço,
    Inah

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