domingo, 3 de junho de 2012

Dobras



  
Por Geraldo Lima
 
Dobra 3.

Súbito, uma voz lhe chama de dentro desse buraco aberto no espaço-tempo. Uma voz imperiosa. Um raio-frásico penetrando seus ouvidos. Lascas de palavras vindo de longe, do princípio de tudo, quando os Céus e a Terra se confundiam numa coisa só e a escuridão lhes servia de veste.  Um mistério. Um plano que se abre diante dos seus olhos e não aponta direção alguma.

Volta-se assustado, o corpo-alma varrido por calafrios, como se um fantasma invocasse seu nome de dentro de uma névoa densa e gélida.

De novo, a voz imperiosa vindo do nada.

Dá um giro de 360º. Uma varredura completa num raio de  trezentos metros. Nada. Apenas o plano alvo, regular, como a superfície de uma mesa. Anda. Tenta, na verdade, escapar dessa voz que o busca no ermo. Encontrasse uma árvore, uma pedra, um buraco que lhe servissem de esconderijo, tudo se resolveria, estaria a salvo.

O que queres de mim?, quis indagar, mas as palavras estavam congeladas na garganta. 

Teria sido Deus — como se chamasse por entre as nuvens: Abraão! Abraão! — o autor desse chamado longínquo, misterioso? Mas, com que propósito? Alertá-lo sobre o fim do mundo? Elegê-lo  o novo Noé? Devia ter parado, ouvido e se curvado, mas o pavor o levou para longe.

Talvez fosse apenas o morto que, dando pela sua falta, quisesse chamá-lo de volta. Pode ser também que o vazio provoque algum tipo de alucinação e a pessoa acaba tendo a impressão de que alguém a chama de dentro do nada.

O plano estende-se a perder de vista, um mundo sem bordas, sem limites. Seria ali a sua morada a partir de então? Seria isso o que chamam de “morada eterna”? Fatigado de tentar se esconder e não encontrar abrigo, senta-se num ponto qualquer e, logo em seguida, adormece. 

    (Continua...)

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