Por Geraldo Lima
Então você pensa, vou passar pelo
menos um mês sem me deixar abater pela realidade brutal e cinza em que vivemos.
Você pensa e age da única maneira que lhe parece possível – alienando-se. E
para se alienar assim (um estágio de desintoxicação do veneno que nos entra
mente adentro todos os dias, você justifica), deixa de ler os jornais impressos
e on-line, de assistir ao noticiário televisivo e de ouvir os programas
jornalísticos das rádios. A violência cessa momentaneamente. A fome desaparece
da face da Terra num segundo. A corrupção (à esquerda, ao centro e à direita)
não deixa rastro nem catinga. Todos os protestos, seja de que natureza for,
calam-se. Não se ouvem mais as asneiras ditas por âncoras e comentaristas nos
telejornais. A realidade, como num passe de mágica, suaviza-se como se nunca
houvesse sido deformada pela rugosidade da alma humana.
A sensação de paz e saúde mental
parece que vai durar para sempre. E você deseja de fato, do mais fundo do ser,
que ela dure para sempre. Mas tudo (você logo descobre) é ilusão. Ninguém pode
estar protegido, em sua redoma de vidro ou aço, contra os desencantos da
realidade.
E essa tão desejada imunidade à
realidade brutal dura até o momento em que você vê o BOPE agredindo e prendendo
professores no Eixão Sul, em Brasília, durante um protesto da categoria em
greve. A imagem é tão chocante que você sucumbe à força do pessimismo: depois
dessa violência contra os educadores, todas as esperanças de que o país sairá
da lama do atraso através da Educação estão mortas. Chegamos ao fundo do poço,
você conclui, e procura voltar correndo para sua redoma. Mas antes que você
chegue, outra tragédia barra a sua passagem – a lama que invade os arredores de
Mariana, destruindo casas, meio ambiente e vidas humanas.
O rompimento de duas barragens de
rejeitos da mineradora Samarco leva destruição e pânico ao distrito de Bento
Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, é o que dizem as
manchetes dos jornais, e por mais que você se esquive, as palavras sujas de
lama e morte batem direto na sua cara e na sua consciência. Diante das imagens
de destruição e desespero, seu coração se comprime de dor e impotência ao mesmo
tempo. Como se isso não bastasse, constatam, dias depois, que o Rio Doce está oficialmente
morto. Com esse nome, que nos acaricia a alma e o paladar, o destino que a
ambição dos homens lhe reservou nos soa ainda mais amargo. A notícia de que
mais um rio está morto, neste cenário de crescente escassez de água que aflige
o planeta, é de nos deixar apavorados.
Então você se indaga, Ainda posso
usufruir da tranquilidade da minha redoma de silêncio e paz? E como acha que
sim, vai à sua procura o mais rápido possível. Só que a realidade brutal e
tosca intercepta, mais uma vez, os seus passos. Você não pode mesmo fechar os
olhos nem tapar os ouvidos aos tiros e explosões detonados na capital francesa.
O espetáculo é de horror e tragédia. Outra vez, dez meses após o atentado ao
jornal Charlie Hebdo, militantes do Estado Islâmico aterrorizam a Cidade Luz,
mergulhando-a nas trevas do terror. Paris
é, nesse momento, apenas dor e medo. E aí você percebe que está longe, muito,
muito longe da sua ilusória redoma de alienação e saúde mental. A realidade, banhada em lama tóxica e sangue
de inocentes, não lhe dá trégua nem chance de se manter alheio à sua dinâmica
pesada e sinistra.