Por
Geraldo Lima
Me deu um rompante à tardezinha hoje
e resolvi fazer uns exercícios físicos: me retorci um pouco no solo, estalando
articulações e distendendo músculos e nervos, depois dei umas pedaladas na
Elíptica – longos 15 minutos –, tudo ao som tocante de Johnny Cash querendo me
arrancar do aparelho de ginástica para me jogar na estrada. A cabeça, saturada
de Olimpíadas e de ver o Brasil bater na trave sempre, pedia um esvaziar
tranquilo e urgente, então fiquei um tempo sentado na biblioteca, com intenção
de não fazer nada mesmo, apenas liberando o pensamento para vaguear por regiões
ermas. No entanto, depois de alguns
minutos, achei melhor ocupar a mente com algo leve, próximo do riso, da galhofa
– peguei o volume com todas as tirinhas do Garfield (presente do meu filho no
dia do meu aniversário) e planejei ler pelo menos umas quinze, como venho
fazendo todos os dias ao longo desses meses. Li umas dez tirinhas, ri das
safadezas do Garfield se atracando com a balança e sacaneando o tolo do Jon, às
vezes o tonto do Odie, às vezes o pobre do carteiro, às vezes as aranhas que
teimam em descer do teto ou andar sobre a mesa (é sem fim o rol de vítimas
desse gato debochado, perverso e simpático ao mesmo tempo), até bater uma
sonolência que me obrigou a fechar o volume de tirinhas e ficar alguns minutos
de olhos fechados, esperando Morfeu desistir de mim e ir em busca de alguém que
estivesse a fim de se embrenhar no mundo dos sonhos antes do escurecer. Parecia
que o mais estratégico era ficar mesmo ali sentado sem fazer nada, mal mal
olhando pela porta entreaberta, que dá para a sacada e para o longe, um longe
que morre nas luzes já acesas lá na Rodovia DF-150 e na BR-020, no vulto dos
carros descendo rumo aos condomínios do Grande Colorado e à Fercal. Por um
instante isso me deixou satisfeito, porém logo me veio a sensação de
inutilidade e perda de tempo, que me obrigou a buscar de novo algo para ler,
para ocupar a mente. Peguei o Jornal Rascunho, já com a intenção de ler os
poemas de William Stafford, traduzidos por André Caramuru Aubert. Essa poesia
falando sobre natureza, uma poesia que brota mesmo da natureza, de dentro dela,
que revela os sentimento do poeta a partir desse contato íntimo com árvores,
colinas e bichos, suas sensações e desejos mais profundos, esse é o tipo de
poesia que eu gostaria de fazer e nunca fiz, o que talvez tenha me levado a me
desgostar da minha temática sempre sombria e urbana, até o quase abandono do
fazer poético. Essa poesia, como a do brasileiro Leonardo Fróes e a do
norte-americano William Stafford, é que me diz muito agora, nesta quadra da
minha vida que já declina e pende do galho-tempo. Em seguida, ainda no
Rascunho, li um texto do poeta Ademir Assunção. Nesse texto híbrido, o narrador
diz estar pensando em transformar o diário num romance. Por fim decide que será
mesmo um romance, tudo num estilo que me lembrou muito o do escritor Claudio
Parreira, com seu nonsense, seu tom irônico e escrachado. Achei que já havia
lido demais e parei, fitando a noite que já dominava a paisagem despovoada de
vagalumes e o céu vazio de estrelas cadentes. Minhas vistas alcançavam até as
luzes nas cercanias da Torre de TV Digital, mas esse brilho distante me cansou
também, empurrando-me para a sensação de angústia e de urgência de registrar
esse instante e as sensações que dele emergiam, como legado para um futuro
incerto e oco.
(Texto publicado, originalmente, no Jornal de Sobradinho)